
Em 24 de fevereiro de 2023, uma aeronave Pilatus PC-12 operada pela Guardian Flight sofreu um trágico acidente próximo a Stagecoach, Nevada, resultando na morte de cinco pessoas a bordo.
O relatório final da Conselho Nacional de Segurança dos Transportes dos EUA (NTSB) foi divulgado ontem (04) e concluiu que a causa provável foi perda de controle por desorientação espacial em condições meteorológicas noturnas sob regras de voo por instrumento (IFR), agravada pelo desligamento inesperado do piloto automático e falhas no processo de avaliação de risco da empresa.
Detalhes do acidente e condições meteorológicas
O voo partiu do Aeroporto Internacional Reno-Tahoe (RNO), em Nevada, às 21h00 (horário local), com destino ao Aeroporto Internacional de Salt Lake City (SLC), em Utah, em uma missão de transporte não emergencial de paciente. De matrícula N273SM, o Pilatus PC-12 levava a bordo o piloto, um paramédico de voo, uma enfermeira de voo e dois ageiros.
Ao receber a missão, a tripulação não foi informada de que outra empresa de transporte aéreo havia recusado o mesmo voo devido a condições adversas: “nevascas, ventos fortes e visibilidade abaixo dos mínimos em Reno”. Essa informação constava nos registros de despacho, mas não chegou ao piloto que aceitou o voo.
Por volta das 20h52, o piloto contatou o controlador em solo no RNO e iniciou o táxi rumo à pista 17L. O controlador alertou que a pista não havia sido limpa recentemente de neve e orientou a aeronave a corrigir sua trajetória. A visibilidade horizontal estava em apenas 1,75 milha (aproximadamente 2,8 km) com neve leve e nuvens fazendo um teto encoberto a 1.700 pés (520m) acima do solo, segundo observações meteorológicas automáticas do aeroporto.
Às 20h59, o piloto recebeu autorização IFR pela procedimento ZEFFR7 de partida, via waypoint BLKJK, e decolou da pista 17L. Dados de ADS-B indicam que o PC-12 ganhou altura rapidamente, mantendo rumo sul até o waypoint EPOSE, onde fez curva para sudeste em cerca de 12.100 pés de altitude.
Fases finais do voo e perda de controle

Após contatar o Centro de Controle de Área de Oakland por volta de 21h08, o piloto informou que subia em 15.400 pés e foi instruído a manter o nível de voo 250 (7.600m) com aviso de turbulência leve a moderada. Em seguida, as comunicações cessaram.
Os dados de receptores ADS-B mostram que a aeronave continuou a subir até aproximadamente 19.400 pés (5.900m), já próximo da coordenada de GPS de WITTT, antes de iniciar uma descida acentuada com curva para a direita por volta de 21h13. Em poucos segundos, a taxa de descida saltou de cerca de 1.800 pés por minuto (500m/min) para 13.000 pés por minuto (4.000m/min) . O último contato ocorreu às 21h14:12, a cerca de 11.100 pés de altitude, próximo ao local do acidente.
Contribuições para o acidente

O relatório da NTSB identificou diversos fatores que contribuíram para o desastre:
- Desorientação espacial: Operar em condições meteorológicas de IFR noturno aumentou o risco de perda de referência visual, levando o piloto a perder o controle da aeronave.
- Desligamento do piloto automático: O sistema de piloto automático se desconectou por motivos não determinados, deixando a aeronave sujeita às correções manuais do piloto em condições de baixa visibilidade.
- Falhas no processo de avaliação de risco: A Guardian Flight não garantiu que o piloto fosse informado de que outro operador havia recusado a mesma missão por condições adversas, ignorando sinalizações de risco climático em Reno.
- Falta de supervisão organizacional: A NTSB apontou que a empresa não manteve um sistema eficaz de monitoramento de segurança operacional, comprometendo a decisão de prosseguir com o voo.
Condições de saúde do piloto
A autópsia apontou que o piloto sofreu múltiplos traumas contusos, e os exames revelaram um tumor de 3 cm no lobo parietal direito do cérebro, classificado como meningioma fibroblástico. Esse tipo de tumor, apesar de benigno, pode afetar a integração de informações sensoriais e a orientação espacial, fundamentais para voar sob IFR. Familiares informaram não ter percebido mudanças no comportamento ou na saúde do piloto antes do voo.
Os testes toxicológicos detectaram apenas loratadina (anti-histamínico não sedativo) e cafeína, sem outras substâncias relevantes.
Também foi apontado que, ao longo da carreira, o piloto apresentou desempenho insatisfatório em diversos treinamentos iniciais e recorrentes, incluindo na operação da aeronave Cessna C208 Caravan, que ele voava anteriormente no estado de Michigan. Houve registros de baixo desempenho também durante o treinamento inicial no próprio PC-12 para a Guardian Flight e em uma companhia aérea onde foi contratado em 2021, mas acabou desligado ainda na fase inicial do treinamento devido a “desempenho insatisfatório nos procedimentos de pré-partida, subida, descida e aproximação”.
Consequências e recomendações da NTSB
O relatório final da NTSB determina como provável causa: “A perda de controle pelo piloto devido à desorientação espacial em condições meteorológicas noturnas sob IFR, resultando na ruptura em voo da aeronave. Contribuíram para o acidente o desligamento do piloto automático por razões indeterminadas, o processo insuficiente de avaliação de risco da operadora e a falta de supervisão organizacional.”
Como recomendações, a NTSB sugeriu à Guardian Flight:
- Revisar e aprimorar o procedimento de comunicação entre despacho e pilotos, para que recusas por outros operadores e condições meteorológicas extremas sejam imediatamente informadas à tripulação.
- Reforçar o treinamento de finitude situacional (situational awareness) e recuperação de atitude, especialmente para operações IFR noturnas.
- Garantir manutenção preventiva do sistema de piloto automático em seus PC-12, identificando possíveis falhas que possam levar à desconexão abrupta.
O relatório final está disponível neste link.
NTSB issues the final report on its investigation into the February 2023 crash of a Pilatus PC-12/45 airplane in Stagecoach, Nevada:https://t.co/aFz6WefeId pic.twitter.com/tlmtVRauzc
— NTSB Newsroom (@NTSB_Newsroom) June 4, 2025